sábado, 6 de junho de 2009

Vigiando e Punindo: Até quando?





O caso

Segundo Decazes, no sec. XVIII, “a lei não penetra nas prisões”. Se conhecesse a carceragem capixaba, talvez o ex-ministro francês ficasse surpreso com a contemporaneidade da sua afirmação. O jornal O Globo publicou neste sábado,dia 30 de maio, longa matéria sobre uma inspeção penitenciária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que ocorre no país e que já percorreu vários estados brasileiros.No Espírito santo, em Viana, entretanto, encontrou seu quadro mais chocante.Nauseados, os fiscais do governo enfrentaram ratos e excrementos, para comprovar o óbvio:o sistema penitenciário nacional esta falido.
Em celas onde a fiscalização não chegou pela ausência de segurança por parte dos policiais, centenas de presos entre primários e reincidentes dividem espaço onde só caberiam 36 deles, não esquecendo o lixo e os restos de comida. Outra opção só se for nos contêineres do departamento de polícia judiciária de Vila Velha, exposto ao sol e junto aos próprios dejetos.Segundo o secretario de justiça do estado, Ângelo Roncalli “ o sistema novo substitui o arcaico processo que persistia até 2003.”

A legislação


Segundo a lei 7210, de execuções penais, de 1984, artigo 10, “a assistência ao preso é dever do Estado objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à sociedade”. Mais surreal é o artigo 12, que dita a instalação de bibliotecas nas cadeias e o que estabelece como direito, o acesso a assistência de saúde, educação e a proibição de sanções coletivas. Em 2006, o estado de São Paulo enfrentou uma série de rebeliões em suas penitenciárias, que tinha como objetivo protestar contra as condições do local e o tratamento dado aos visitantes.


(Patrícia Santos/Folha Imagem. Rebelião no Carandiru)

Visitas são exercícios de paciência e humilhação. É normal que fiquem entregues a sua própria sorte e ao poder do Estado que cumpre sua tarefa de vigiá-los e perpetuar a punição além da restrição da liberdade levando os detentos aos estertores da condição humana.

Sociedade punitiva


Desde o século XVIII o sistema penal tinha como objetivos apagar o conceito de lar, destruir a identidade e enclausurar o indivíduo que se opusesse à lei e à ordem. Segundo o filósofo Foucault, a prisão é forma de corrigir o desvio do condenado , restabelecendo a ordem e obediência e retornando-o para o convívio com a sociedade.Pelo isolamento do mundo exterior, privação da liberdade e entrega de sua autonomia à vigilância do estado, o prisioneiro acataria as regras sociais e seria reintegrado à sociedade.
Entretanto os números de rebeliões nas prisões do país e a reincidência de criminosos desmente a tese de que o sistema carcerário opera milagres. O convívio diário com a violência de colegas de cela e policiais, maus-tratos, superlotação, arbitrariedade, falta de condições mínimas de higiene e negligência do estado acabam por garantir às carceragens uma constante superpopulação.

Opinião Pública

Não é preciso ir longe para comprovar que uma parcela considerável da população concorda com o tratamento dado aos presos. Basta assistir a reação quando de um caso de grande repercussão midiática, seja pela violência empregada ou pelos envolvidos.”Bandido bom é bandido morto”, é o discurso da maioria.
Não bastando os argumentos humanitários de poucos, a estes pouco se dá o tratamento dispensado aos infratores, melhor que não existissem, considerados deformações desagregadas do corpo social.
Por isso,quando um caso chega às camadas mais escolarizadas da sociedade,causa comoção. Os casos “Nardoni” ou da “família Richthonfen” provocam discussões por atingir em cheio aqueles que acreditam ser o delito prática de uma classe social à parte.É pensamento geral que o prisioneiro merece o tratamento dispensado e deve ser posto sob o tapete do Estado para garantir a segurança dos “cidadãos de bem”.Mas quando estes últimos cometem o crime, assustam os que se acreditam distanciados do braço punitivo da lei pela posição socioeconômica.

Aspectos econômicos

Um preso no Brasil custa em média, 3,5 salários mínimos ao mês. Isso sem contar os gastos de material de reposição aos constantes ataques a saber : Colchões, grades, material de construção para reforma das celas e equipamentos de segurança. No Espírito Santo, já citado acima, a direção do presídio desistiu e revolveu deixá-los em pavilhões abertos, sem divisão de celas e entregues à própria organização.Não garante a economia. As doenças e casos de feridos são constantes e convidam a uma reflexão sobre a política prisional: até que ponto o sistema não esta gerando mais custos do que resultados? O que fazer para modificar esse quadro?


E o governo com isso?

Em Vitória o secretário de justiça informa na mesma reportagem a criação de 2872 vagas no sistema prisional em seis novas unidades. Ao analisar o noticiário nacional há uma aquiescência sobre a política de segurança a ser adotada pelos estados. Todos concordam em criar vagas para abrigar os infratores, na construção de penitenciárias de segurança dita máxima e medidas cautelares para resguardar os presos do contato com o mundo exterior assim como a moralização das relações entre estes e os carcereiros. Os resultados são sempre catastróficos.
Não bastasse as revoltas internas, os condenados constantemente fogem, algumas vezes pela porta da frente, causando terror à sociedade e dúvida sobre a forma ideal de mantê-los onde estão como se as condições precárias de encarceramento não apresentassem por si só um bom motivo para a fuga desenfreada do mais sensato dos indivíduos. Permanecer honesto é para os cidadãos comuns.Manter-se vivo é a condição para os encarcerados, só os fortes sobrevivem.

A segurança como questão social

“Tem que agir é na cultura, tem que se trabalhar dentro da idéia e não na conseqüência. A cultura é uma coisa que não acaba você nasce com ela e vai morrer com ela.” (Luiz Mendes,ex-detento amparado pelo FUNAP)

Na contramão das políticas públicas, alguns grupos buscam assumir o papel do estado no processo de ressocialização dos detentos, ajudando-os a resgatar a cidadania e construir uma nova identidade.
É o caso do projeto AL, arte que liberta, instituído na prisão Lemos de Brito, em Salvador, onde presos trabalham em oficinas de arte, resgatando entre tintas e pinceis, sua posição de cidadãos.Além de aprenderem um ofício,os 25 presos assistem a palestras onde aprendem sobre política, economia e recebem 75% do salário mínimo (conforme previsto na Lei de execução penal).Alguns já trabalham nos pontos de venda dos objetos produzidos na cadeia, preparando-se para sua reinserção na sociedade exterior.
A FUNAP, fundação de Apoio ao preso, estabelece projetos de educação para os detentos amparados pelo sistema prisional paulista, fundada em 1976 e que atualmente possui cerca de 16 oficinas permanentes.Além do ensino fundamental e profissionalizante, há estímulo à cultura e alocação do preso no mercado de trabalho em parceria com empresas do setor privado.
Os empresários que aderem não tem do que reclamar. Além da isenção de obrigações trabalhistas, contam com o empenho dos detentos.”Eles se dedicam muito”, conta Tiyoko Tomikawa,empresaria do setor têxtil.Segundo ela,além da economia na contratação de funcionários, pesa o fato de contribuir para a ressocialização destas pessoas.
Resta aos demais setores da sociedade civil desvincular-se de preconceitos arraigados e compreender que a política de segurança decididamente passa pelas pastas de educação, saúde e cultura. Ao menos, darão melhores notícias nas páginas dos noticiários.

Um comentário:

Filipe Barbosa disse...

A Maracy deve ter ficado orgulhosa pela contextualização do sistema prisional brasileiro - extremamente distorcido - nos meandros do marasmo público e da dispensa administrativa/ jurídica em que vivemos.

Ótima apreciação!!!